terça-feira, 5 de junho de 2012

O Cavaleiro do Reino Petrolífero (15). Reino Jingola, algures no Golfo da Guiné.





«A própria insuficiência de governo torna mais difícil a construção da capacidade de governo. É da insuficiente capacidade democrática de governo que surgem as nossas impressionantes polarizações entre ricos e pobres. A partir de um certo grau de concentração de renda, esta já não representa apenas um problema de justiça social, e sim um fator de desequilíbrio de poder político, tanto para os pobres como para os ricos.»
In A Reprodução Social Ladislau Dowbor http://www.dowbor.org/

- É verdade chefe.
- Acompanhei a chegada dos géneros e não vi nada de anormal.
- Chefe… o problema é a produção nacional… tudo aldrabado… tudo pirateado.
- Quero um relatório, ou uma comissão de averiguação!
- Chefe trago-o comigo... vinte quilos de tomate, de batata, arroz, açúcar, leite, couves e outras coisas.
- Vinte quilos de tudo estragado. Só vocês é que não se estragam. Bantus, cafres. Nenhum macaco se estragou?
- Infelizmente não servimos isso, é mais para Norte. Apesar que adoro… posso retirar-me?
- Sim!.. Para acabar com esta merda o melhor é contratar guardas mercenários e pessoal estrangeiro para as cozinhas, pagando-lhes dez mil dolos por mês. Vocês não servem para nada. Prometo-vos que hei-de descobrir os roubos que estão a fazer! Retira-te!
Depois do cozinheiro sair, Epok aguardou alguns momentos. Virou a sua atenção para a porta. Quase berrou:
- Ó Pinturas!
- Sim! Cavaleiro sem figura!
- Olha, não me fales mais assim. Senão vais para o olho da rua.
- Tenta só, vá. O rei gosta muito de mim, não sabes?
- Não quero ser incomodado por ninguém. Tenho que estudar os dossiers que o rei me deixou… vai-te.
Antes de fechar a porta por completo, ela deixou escapar de modo que Epok ouvisse.
- Desgraçado, mal-educado, racista!
- Porra… não sei como é que o rei consegue aturá-las. Desejo que ele não se demore.
Haviam vários dossiers com capas de várias cores. Epok pegou no único de cor vermelha. Abriu-o e viu uma folha de papel que o sobressaltou.
ESTÁ PROIBIDO DE TOMAR QUALQUER DECISÃO SOBRE O LÍQUIDO NEGRO. VÁ PARA O ASSUNTO A SEGUR. Pensou: vou ocupar essa que está aí na porta. Quero estar à vontade. Sei muito bem que são hábeis espias, mais perigosas que as do Kadafi. Chamou-a:
- Ó pinturas!
- Sim, diga grande chefe da cor de permeio!
- Cale a boca sua burra. Vá nas cozinhas e elabore um relatório completo do que se passou nas últimas vinte e quatro horas.
- Incluindo com quem elas dormiram durante a noite?
- Sim, e com quem tu dormiste durante a noite.
- Oiça Epok, ou lá como se chama. Tira o cavalo da chuva que daqui não levas nada. Isto é propriedade real, percebes?
Epok certificou-se se a espia saíra do local. Abriu a porta, ficou satisfeito. Ninguém à vista. Fechou-a e trancou-a por dentro. Insistiu no conforto do seu assento. Respirou fundo. Olhou para o próximo documento muito atentamente. O que lia não era para menos. Será que o rei se tinha distraído? Ou seria uma armadilha? Para depois ter um pretexto e enviá-lo como embaixador cientifico algures numa estação dos gelos da Antártida? Os documentos estão aqui comigo, devo seguir em frente.
O documento falava para ser efectuado um inventário aos diamantes que se encontravam nos cofres particulares do Banco Real de Investimentos. De quem seriam estes diamantes? Outro decreto real que cria uma nova empresa a Única Cargas Real. Terá uma frota de camiões novos. Actuará nos portos e aeroportos. Cinquenta por cento das vendas mensais serão entregues aos Cofres Reais do Grande Saco Azul.
Havia uma observação. § Único. As empresas privadas obrigam-se a reter vinte por cento das vendas mensais para o Saco Azul. Serão consideradas como custos do exercício.
Mais um decreto. Cada vice-reino terá um orçamento anual de vinte milhões de dólares. Na realidade receberão apenas cinco. A diferença será justificada com o argumento de que os recursos colocados à sua disposição foram desviados.
O que é que temos aqui? Epok esfregou as mãos de contente. Pontes, escolas, viadutos, estradas. Prefiro as escolas, são rápidas de construir. Acciono os contratos para dez escolas e ganho de uma assentada cinco milhões de dolo. Vou receber cinquenta por cento adiantado, mando pôr na minha conta no estrangeiro. Depois sou exonerado, vou-me embora para tratamento de uma doença no estrangeiro, e estou safo.
Comunicados de manifestações? Enviados para aqui pelo vice-rei Jingola? Ele não quer assumir o papel de mau. Hum! Com receio de tomar decisões. Ou melhor, tudo para aqui, seja o que for. Isso da centralização dá cabo da cabeça de uma pessoa. As coisas não deviam funcionar assim. Vejamos o que dizem estes comunicados:
ADERE, Associação dos Dementes do Reino Jingola.
Exigem que os malucos andem à vontade nas ruas. Que não sejam internados. Porque os verdadeiros malucos já andam há muito tempo nas ruas. Já não sei quem é maluco. Quer dizer nós somos malucos, e eles, os verdadeiros são os sãos.
ASURE, Associação dos Suicidas Reais do Reino Jingola.
Queremos um prédio decente, moderno, com pelo menos vinte andares. Para nos atirarmos e apreciarmos a paisagem na queda. Aquele donde nos atiramos não tem as mínimas condições. Tem lixo por todo o lado. Podemos apanhar uma doença.
Como vão construir um hotel bem alto, terão direito a uma boa refeição durante o voo. Força aí suicidas. Matem-se à vontade.
ASARE, Associação dos Alcoólicos Reais do reino Jingola.
Queremos beber dia e noite sem qualquer restrição. Queremos uma percentagem dos vinhos dos Tonéis Reais, ou acesso a bebida a crédito. Isso é pedir muito? Viva a união dos alcoólicos de todo o mundo. É melhor propor ao rei a mudança de nome do reino. Reino dos Alcoólicos de Jingola.
APRE, Associação das Prostitutas Reais do Reino de Jingola.
Queremos melhores condições de trabalho. Aqueles a quem prestamos serviços, há meses que não nos pagam. Vamos fechar as nossas pernas e acabou-se. Protestamos contra a concorrência das estrangeiras. Estamos a ser discriminadas. Elas baixam muito os preços. Se não aceitam as nossas reivindicações, vamos oferecer a coisa de borla durante um mês. Cuidem-se minhas senhoras nobres. Vão ficar sem maridos.
Estas putas perderam o juízo. Vou perder o negócio das minhas casas clandestinas. Antes que seja tarde vou importar algumas asiáticas.
AFRE, Associação dos Feiticeiros Reais de Jingola.
Antes dos Portugueses chegarem, nós já cá estávamos. O nosso povo pratica a feitiçaria como um acto normal de soberania. Faz parte das nossas tradições. Em troca de qualquer coisa, praticamos e inventamos novos ritos. Exigimos o tratamento por médicos tradicionais. Senão lançaremos um grande feitiço sobre o reino.
Isto preocupa-me. Este reino está cheio de feiticeiros e feiticeiras. São mais poderosos que os republicanos.
ASARE, Associação dos Analfabetos Reais de Jingola.
Não queremos livros, não queremos ensino. Não queremos universidades, estamos fartos de estudar. A nossa cabeça não aguenta. Não aos livros! Ainda bem. Estes ao menos são honestos. Grande poupança nos sacos azuis.
AERE, Associação dos Esfomeados Reais de Jingola.
Exigimos apenas vinte navios com comida, que será vendida e paga daqui a dez anos. Senão vamos saquear tudo o que se mexer.
Vão mas é trabalhar. Querem tudo de borla. Ir para os campos? Não aceitam. Só querem ficar na capital do reino, reais sacanas.
UNTRE, União Nacional dos Trabalhadores Reais de Jingola.
Queremos acabar com o assédio sexual nos locais de trabalho.
Isto é uma manobra de diversão. Se tivessem bons salários, acabava-se o assédio sexual. Deviam exigir mais dinheiro, mais condições sociais.
O Partido dos Republicanos da União Total, exige eleições livres e justas, já! Os republicanos estão sempre a falar de eleições no reino. Estão loucos?! Nunca! Jamais! Ninguém conseguirá alterar o sistema de planificação centralizada do reino e vice-reinos.
Um documento carimbado com as palavras, MUITO SECRETO, chamou-lhe a atenção. Era do marquês do Santo Oficio.
Meu rei, levo ao seu superior conhecimento:
Muita atenção aos republicanos da família dos Areópagos da árvore Andrade (Persea venosa). Não é a primeira vez, nem será a última que tentam tomar o poder. São muito inteligentes e devem estar permanentemente vigiados pelo nosso Santo Oficio. Um deles candidatou-se a presidente da futura República. Outro faz muitos comentários. Falam muito e à vontade na rádio dos republicanos, que assim não dá. Apelam com camuflagem à revolta. Acho que é hora para a nossa secreta dar-lhes uns bons açoites. Acabar com eles e como sempre deixar no esquecimento. Republicanos chatos. O culpado é quem inventou isso das repúblicas e das democracias. Porque não nos deixam em paz?! Estamos há mais de trinta anos no poder. E sentamo-nos e sentimo-nos bem. Porque não esperam mais trinta anos para lhes darmos as condições adequadas? Invejosos!

Imagem: omundosokz.zip.net

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